terça-feira, 22 de outubro de 2013

Abstração não alcançada

De todas as vozes, a que menos reflete é a gritada. De todos os gestos, o que menos marca é o bruto. De todos os ódios, o amor é quase total.

Cinco traços de incoerência. Total ou parcial, não importa: já deu nó. Desses de marinheiro, que não aperta, mas é impossível desatar sozinho. Um nó sobreposto a outro. E a outro. E a outro.

Braços, pernas, pescoço e garganta.

Paralisa, fragiliza, doi. A pontada é dada com firmeza, vontade e precisão. O pior é saber que tudo isso às cegas, pelo treinamento constante, infinitamente repetido, cheio de rimas apoéticas - mas autodotadas de uma rima tão rica, que quase enganam.

Quase.

Aprende-se desde cedo a ler cartilhas. Aprende-se que entender é concordar. Pior: aprende-se que concordar é justamente discordar do que está fora (que dentro tá tudo certo).

E aí grita, grita, grita. Embrutece. Três murros e um soco. No útero. No abdômen. No peito. Na cara. Com todo amor que o maior dos ódios pode dotar.

Alongamos a caminhada. Pé com pé, tentando alinhar. Tentando olhar o foco. Tentando, tentando tentando. Mas é que a natureza - criada, existente e humana - distrai. Abstrai. Subtrai.

O caminho já não é mais reta ou curva ou círculo. Não existe mais o fluxo - nem sanguíneo. A máquina sozinha já sonha, o sonho sozinho já vive e a vida sozinha já é.

Ele quer olhar pra fora, mas não consegue sair de dentro. Quer viver o grande, mas ainda pensa no pequeno. Quer se espalhar, mas é contido: só conhece o soco - curto como ele é - de movimento. Quer gritar bem alto, mas não sai do vácuo. Quer, quer, quer. E insiste.

Mas a teimosia é minha, poeta.