quarta-feira, 6 de junho de 2012

Justificativas

Encarando o pensamento que tenta reduzir à comunicação verbal o gesto primordial de carinho, imploro: jamais tente viver só dela. É um princípio que só tende a desenvolver enganos, desgastes e desgostos. 

Primeiro porque quando começa tudo num entendimento tão falho que há necessidade de perguntas, alerta 1: já começou errado. Segundo que, quando pra desenvolver afeto é necessário justificar em tópicos o que é carinho, alerta 2: não vai agradar. E terceiro, ainda mais cruel, quando da incerteza, que certamente a dubiedade das palavras acarretou no peito como sentimento profundo e intrínseco à relação, e então o diálogo revela-se um monólogo enfadonho (dado o vazio em resposta que tende a palavra zero), alerta 3 (e vermelho piscante): acabou.

Mas repara: o problema não é a palavra - ela pode ser linda, bem vinda e super bem colocada - mas a necessidade infinita dela. Demonstrar carinho não é explicar metodologicamente o que é carinho. Revelar vontades não requer um manual de montagem listado dos desejos. 

Um corpo pulsa. E aí as mão se posicionam, os joelhos se encontram, os peitos se encaixam, os olhos brilham, o braço passa sem que se incomode, a cabeça recai no ombro. Olhar... olhar torna-se inevitável. E não está presente só na visão, a pulsação permite o olhar do toque, do cheiro, do ouvir, do sentir. 

E aí você entende que quando se sente mais que se pensa em falar, o caminho é certo e a poesia é autoportante.

domingo, 3 de junho de 2012

Habitat Natural

E eu moro bem aqui, horizonte a frente. Há tempos sento olhando a linha perguntando se é de paralelas infinitas que o mar se toma. Há tempos me guio por um norte pra ver se o horizonte me toma numa cruzada de caminho sem volta.

E não toma.

Hoje eu sentei numa faixa que não é mais de areia. Olhei pra frente e o que tinha já não era mar. E me perguntei se o caminho das nuvens ainda era possível. Se o abismo do céu ainda suportava o peso de mais um corpo que se jogava, ou se o fato de ser peso não era mesmo (como antes suspeitava) um problema do ar.

A resposta: um raio e uma nuvem preta revelando em cores e cobrindo em chuva metade do que achava ser uma sombra no céu. E a surpresa: não era sombra, era sólido. Não era treva, era caminho.

Fui ao sul revelar o que não é mais horizonte. O caminho, ao contrário do que indicavam as pedras, ia por elas, com elas, sobre e sob elas. O caminho não era mão única - dessas monótonas, solitárias e cheias de questões de obediência - mas dispersa, variável, mutante e coletiva. Não de um coletivo que despreza a palavra de apoio, o zelo do amigo, o reconforto do desabafo. E público.

Nesse dia entendi que estou em terra firme e agradeci por não ser a distância o oceano. Pelo menos por aqui eu posso andar - já que eu não posso e nadar eu não sei.

E a chama acendeu.