sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Apneia

Na boca está o silêncio que, desatinado, entra forte. Entope garganta, narinas e orelhas. Faz a cabeça desandar e doi, doi, doi. Todos os dias ele pulsa, repuxa e escancara na pele tudo aquilo que deseja ser. Ferida aberta, mas estancada.

Respiração número um.

No peito está o sentido que, sem rumo, bate violento. Sabe da sua força e fica sob qualquer circunstância - não titubeia. De hora em hora conta seus passos - mesmo não tendo direção - porque precisa saber que segue caminhando. Perseverante, segue rumo ao incerto.

Respiração número dois.

Nas costas está o ofício que, sendo obstinado, já nem sente o peso próprio. Combate os ventos e, cego, segue a busca pelo inatingível, porque suas metas sempre são as que não existem. Vai pelo caminho colhendo todas as opções, pois todas parecem verdadeiras até que doem e caem. A questão é que caem todas, de uma só vez. Irrecuperável.

Respiração número três.

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Antigamente costumava passar.

... No ventre está o vazio que, oco mesmo, prefere assim ser. Com carinho e orgulho agradece e se despede. Não sente o amargo da língua alheia, que insiste em querer aterrissar, como se aqui fosse pista central. Oferece rota alternativa e apaga as luzes delicadamente. Aqui está a paz.

Respiração número quatro.

Na perna está o curso que, ligeiro, não consegue ter a paciência de esperar. Balança, agita, estremece. Segue, segue, segue. Inquieto, faz o corpo tremer. Não daqueles tremores bons, mas agudo, afiado e pungente. Por horas a fio e não para: a caminhada é insustentável.

Respiração número cinco.

No pé é só pontada. Ferve tanto, que só resta o grito.

Respiração número seis.
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Por que não está passando? SETE, OITO, NOVE.

A retina iluminou, escuridão.