sexta-feira, 28 de maio de 2010

Num dia assado

Ele se pega ouvindo a si em voz rouca. Um rouquidão de semelhança mais em quimera do que em voz que cessa no gritar. Era a voz da consciência. Não da consciência crítica e carcereira, mas consciência de si.

De que se sabe em si.

Ele se pega seguindo a passos largos o barulho do dragão. Que de dragão vinha em imagem de ilusão infantil. Não infantil de passado, mas de quem ainda não soube como crescer.

De que não toma conta do eu.

Ele se pega desentendendo o que em volta há. E de relance nota-se a realidade das opções e do livre arbítrio. Não o arbítrio do maniqueísta que só sabe se é bom ou ruim, mas aquele das várias medidas que em um peso pode caber. E sabe instintivamente que se o peso da decisão é maior que o resultado, sete ou oito feridas serão abertas.

Só não sabe se é par ou ímpar.

Ele se pega desacreditando na dor alheia. Não porque não exista, mas simplesmente porque não vê. E não é de uma cegueira imediata, mas daquelas que se pratica até chegar ao estado pleno de exaustão.

E que palavra coerente essa.

Ele se pega dizendo "adeus e até breve". Nem se dá conta do paradoxo imposto a si ao contemplar duas saudações num só sentido. E não é uma ignorância da qual necessariamente se envergonha, afinal tudo o que lhe serve faz a si por bem.

E que bem que causa mal.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Es war doch nicht böse gemeint

Era uma ferida que não sangrava. Ficava ali, cheia de cascas insistindo pra serem arrancadas. E eu, num sadismo masoquista, arrancava aos poucos - já que assim a dor era prazer maior. E melhor: arrancando sempre cresce mais. E maior. E mais doloroso. E melhor. E melhor.

Mas ainda sem sangue. Era esse o desafio: na frieza do prazer indolor (sim, porque de tanto prazer a dor cessa e assim justifica o autossacrifício inexistente). Até porque sempre tive muito mais dor visual que propriamente tátil. E esse sangue que não vem. Nunca vem. Só me faz ferir mais, arrancar mais, gostar mais. Mas nunca saciar a ânsia de vida.

Me pego às vezes pensando se de fato quero chegar ao que conclui. Porque sim, sei que a vida é ciclos. Mas qual é o fim de um ciclo. Já pensei - há não muito - que eram em sete. Só que então me dei conta de que era simplesmente o convencimento do clichê. Sim, o velho clichê do sangue que sempre jorra e da carapuça que sempre veste. Verossímil e latente, mas chato. E aí, chego sempre à conclusão de que nunca quero que acabe - apesar de sempre reclamar à vinda rápida do fim.

É desses mau humores eternos que até duas horas atrás eu estava acreditando - por um longo período - ter expugnado. Mas não. Percebo agora que me travisto de bons sorrisos só pra lutar diariamente contra a natureza indigesta, incompreensiva, predatória e preconceituosa que, desgraçada e indubitavelmente me origina.

E foi então, aceitando que doi, que a ferida sangrou. Mas só molhou a ponta do dedo indicador.

Que sem graça.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Meia lágrima

Se pegou pensando na vida.
Não queria repetir erro passado.
Não queria mais pensar nas negativas e muito menos repensar rumos.

Se pegou pensando nos meios.
Não queria refazer caminhos.
Não queria mais acreditar nos ciclos e muito menos nas voltas.

Se pegou pensando nas vistas.
Não queria reolhar vidas.
Não queria mais vetar as prerrogativas e muito menos as vontades.

Se pegou pensando nos tempos.
Não queria remendar os furos.
Não queria mais fechar as portas e muito menos as janelas.

Se pegou pensando num dia.
Não queria realizar sonhos.
Não queria mais acordar de súbito e muito menos de angústia.

Se pegou pensando nos momentos.
Não queria reviver desconforto.
Não queria mais saber de muito e muito menos de nada.

Se pegou pensando no retorno.
Não queria reabrir com chaves antigas.
Não queria mais o sentido da incompletude e muito menos do vazio.

Se pegou pensando e repensando. Concluiu: pára e vive.

Pra frente.