terça-feira, 25 de maio de 2010

Es war doch nicht böse gemeint

Era uma ferida que não sangrava. Ficava ali, cheia de cascas insistindo pra serem arrancadas. E eu, num sadismo masoquista, arrancava aos poucos - já que assim a dor era prazer maior. E melhor: arrancando sempre cresce mais. E maior. E mais doloroso. E melhor. E melhor.

Mas ainda sem sangue. Era esse o desafio: na frieza do prazer indolor (sim, porque de tanto prazer a dor cessa e assim justifica o autossacrifício inexistente). Até porque sempre tive muito mais dor visual que propriamente tátil. E esse sangue que não vem. Nunca vem. Só me faz ferir mais, arrancar mais, gostar mais. Mas nunca saciar a ânsia de vida.

Me pego às vezes pensando se de fato quero chegar ao que conclui. Porque sim, sei que a vida é ciclos. Mas qual é o fim de um ciclo. Já pensei - há não muito - que eram em sete. Só que então me dei conta de que era simplesmente o convencimento do clichê. Sim, o velho clichê do sangue que sempre jorra e da carapuça que sempre veste. Verossímil e latente, mas chato. E aí, chego sempre à conclusão de que nunca quero que acabe - apesar de sempre reclamar à vinda rápida do fim.

É desses mau humores eternos que até duas horas atrás eu estava acreditando - por um longo período - ter expugnado. Mas não. Percebo agora que me travisto de bons sorrisos só pra lutar diariamente contra a natureza indigesta, incompreensiva, predatória e preconceituosa que, desgraçada e indubitavelmente me origina.

E foi então, aceitando que doi, que a ferida sangrou. Mas só molhou a ponta do dedo indicador.

Que sem graça.

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