sexta-feira, 2 de março de 2018

Dias brancos

Ao que tudo indica, o brilho na retina vem às sete e quarenta e três. Sempre, sempre, sempre dezessete minutos antes dos pássaros cantarem. Acompanham: um inconveniente e abrupto suspiro, três cínicos tremores nos pés-nas mãos-no peito e uma inexplicável vontade de expelir. Levanta e volta duas vezes olhando como é bonito, como te faz bem, como precisa urgentemente começar a retribuir além do abraço. Despedida. Levanta outra vez. O esforço não tem medida, tanto que o corpo pede: volta. Por favor, volta. Vamos remarcar os passos das noites que andamos pelas pedras pelos oceanos revimos os amores ex-amores muitas portas trincos céus mansões festas, todas as cores. A mão volta e combina: um é esperança; dois é prosperidade; três é mal augúrio; quatro reveja suas atitudes; cinco oportunidades; seis medo; sete trabalho árduo; oito faça novos amigos, nove cuidado com a saúde, dez não se preocupe, você verá os resultados em breve. Já passaram das dez. Todos, todos, todos os dias promete que no próximo vai acompanhar a luz assim que ela te tocar, mas, no fim, sempre acha outra maneira de repetir o que foi ontem, não tem muito jeito. Passa muito e o corpo pede. Não é sempre, mas pede. Depois promete que vai recomeçar, sente que tudo é possível, olha pro alto e respira uma cinco setenta vezes. Aí de novo pede: volta só mais um poco, por favor volta. Tremor, suspiro e estômago. Engole seco e aceita: hoje não é o dia. Observa escutando oito, trinta, noventa e dois ou sei lá quantos minutos de experiências e concorda que realmente precisamos mudar, mas quem tá errado é o mundo. Desespera: por quê? POR QUÊ? Ativa o medo e cadê, cadê, cadê, cadê, cadê, cadê, cadê? Não está preparada. Já passou do tempo e ainda não está preparada. Seis e trinta e oito e o coração aperta: outra vez e nenhuma nova. Precisa urgentemente retribuir além do abraço, mas já sente que a pele o pelo os olhos os narinas a boca o verbo, tudo isso já não é o mesmo ou suficiente. Volta, por favor, volta. Três frases e meia e aceita. Um suspiro longo, três tremores sinceros e a aceitável vontade de dormir.

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