sexta-feira, 9 de março de 2018

E é paz a paz da pomba?

Comecei a meditar pra tentar expurgar todo o mal que vinha saindo pelas palavras, da cabeça quente. Sentei, estiquei e comecei: diafragma-boca-diafragma-boca-diafragpulm-boca-pulmão-diafragboca-boca. Espera. Bocejo e soluço. Volta. Fecha os olhos e a moça da música repete: não pense em nada, olhe para o mar. Pára tudo: como o mar é nada? Realmente, eu fecho os olhos e consigo ver o mar: infinito, calmo e confuso, corrente, vívido, brilhante, cheiroso, uma tormenta que alivia. Não pode ser nada: ele é muito pra mim. A visão oscila entre o azul, o verde, o roxo e o vermelho. Uns rasgos brilhosos aparecem rápido e não consigo distinguir se é branco ou amarelo, mas não importa: de novo é muito difícil não ser nada. O interessante é que hoje, diferente de ontem, não é impossível manter os olhos fechados... O corpo que todo dia é tão presente, tão falho, dolorido, hoje assenta e é pesado, mas, incrivelmente, não sente nem vento, nem carícia, nem aperto. Ele é, mas não está lá. Começo a sentir a importância dele, como reage, como afeta e é afetado. Não, não sinto vontade de dançar, mas sim de estar ali integrada, sentindo cada parte e conhecendo protuberâncias e cavidades, texturas, caminhos e...

Fez um barulho lá fora: eles ainda estão aqui. Ainda estão. Não consigo conter o calor que sobe na cabeça: eles ainda estão aqui!

Os olhos já começam a doer e não suportam mais: como é que consigo dar conta de entender tantos brancos? Tudo aqui é simples demais.

Abro a janela: branco. Fecho a janela: branco, branco, branco, branco, branco, branco. Eu gosto, mas hoje tá sufocando. Quero um abraço...

- Oi, tudo bem? Me abraça!
- ...
- Na verdade, não abraça não, eu não gosto.
- Oi! Abraço!
- ...

Abri e fechei todas as portas da casa só pra ver se o tempo passava. Não passa. Olhei a janela e, pela primeira vez, vi que a rua tem pelo menos dois andares. Um gato foge, três pessoas correm, um homem de camisa com as mãos no bolso - como é que ele não tá com frio? - um carro branco e um preto andando no meio dos carros brancos e pretos, todos parados. Me divirto, porque passou correndo e fazendo estardalhaço um bem rosa metálico. Ainda há vida...

O pássaro preto que todo dia gritava agora tá ali na árvore, que finalmente começou a florir. O verde já nem é mais dos que me chamam atenção, acho que fiquei cega de tanto ver. Esqueço mesmo e só lembro da história que tenho escutado ultimamente, daquele dos olhos azuis, que quer ser homem, mas está certo de que é bicho, mas sente amor pela Baleia e receio de suas crias serem igualmente bicho. Acho que é isso que me sobe à cabeça e fervilha: será que estou virando bicho também? Me aflige a perspectiva de chegar a noite e não conseguir proferir três palavras novas. Com as portas abri também dicionário, enciclopédia, livros e quadros. Sinto que não funciona e é até um pouco ridículo seguir tentando. Mimese de si é que não dá.

As veias estão pulsantes, prontas pra se abrirem. Eu vou gritar, eu vou gritar: VOA!

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